segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Conversas


Nunca te contei a minha conversa com Varda.
Apresentei-me como realizador de cinema. Perguntei-lhe pela «Opera Mouffe», pela «Pointe Courte», pela Cléo...
Ela falou-me das praias e dos respigadores, gatos, batatas e helicópteros.
Mas eu queria falar-lhe da água do banho agora mais quente nesta altura do ano, do vapor que embacia os vidros, do «amas? não amas? - amo sim!», a chuva grossa numa noite de audição...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009


Uma questão de graduação

A certa altura Ray Bradbury escreveu:

Deixaram de tentar esforçadamente destruir tudo, humilhar tudo. Fundiram a religião, a arte e a ciência porque, basicamente, a ciência não é mais do que a investigação de um milagre que nunca conseguimos explicar, e a arte é uma interpretação desse milagre. Nunca consentiram que a ciência esmagasse o estético e o belo. É tudo, simplesmente, uma questão de graduação.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

PC no JL


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Do Cinema de Terror

É subejamente sabido que o cinema de terror teve o seu grande momento iniciático no decorrer da década de setenta, tendo amadurecido nos últimos anos deste período e começado o seu curso descendente no começo de noventas, tendo hoje caído num abismo.
Note-se que este género provém, à partida, de uma tentativa de criacção cinematográfica mais plástica do que, porventura, narrativa (o cinema, em particular o clássico pós-Lumière, tentava a transposição literária plena). A ausência do som no cinema traía as pretensões dos criadores pro-dramáticos/ dramatúrgicos, limitando o seu leque de recursos, medidas as distâncias.
Portanto, para alguns, o trabalho do visual revelava-se o mais aliciante. Enquanto alguns o trabalharam segundo uma tendência misticista e transcendental, outros com o decorrer do tempo e as mutações sociológicas (anos 50 e 60) remeteram-se a um enchimento vitoriano da imagem - mais uma vez o mergulho numa literatura desta vez gótica, de onde sairam os mais memoráveis clássicos ditos de culto, do género.
Nomes como Bela Lugosi enclausuraram-se no seu nicho dando vida a uma senda de entertenimento capazes de após a depuração do acessório, se revelar autêntica. Criou-se assim um novo panteão artistico construído já desde os filmes de aventuras, trazendo ao mundo palpável o que outrora pertencera apenas às letras e pontualmente às artes de palco.
Este método de trabalho prolongou-se ao longo dos anos, aprimorando-se através das obras contemporâneas (de Stephen King, etc). No entanto, como qualquer criação dependente de conceitos exteriores a si mesma, tendeu a esgotar-se. A autenticidade destas mantém-se apenas em industrias onde a cultura folclórica não encontra precedentes, como é o caso do cinema asiático e indiano.
De facto, é de antropologia cultural que aqui se fala. Mais do que a dita originalidade ou capacidade de mercado nos diferentes pontos do mundo. Torna-se portanto natural que num país recente como o de Hollywood este imaginário se limite a determinados grupos de jovens, reunidos em diferentes campus estudantis, etc, facilmente confundidos com a recente comédia fácil de actuais sagas.
Não admira o espanto perante o sucesso mediático de filmes asiáticos, europeus e indo-americanos, contra os de índole yankee.

Com a efabulação de uma lenda são possiveis resultados espantosos. "Sexta-Feira 13", "Pesadelo em Elm Street", "The Fog", etc, possuem qualidade invejáveis na criação do mito contra a apropriação do mesmo. Craven e companhia assumiram o papel que na Europa Bram Stoker, Mary Shelley, Louis Stevenson, etc, tiveram na criação de determinadas bestas. Deram-lhes um nome, eternizaram-nos, porém presos no literário.

O terror é uma fonte inesgotável e de grande potencial de exploração artística do cinema como arte individual e de cariz autoral indomáveis.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Uma no cravo...

Para muita gente o John Landis é uma referência…

- Hoje sou considerado um realizador "lendário", o que quer dizer que já morri! No catálogo do MOTELx diz "mítico", o que significa que não existo! O John Huston dizia que realizadores de cinema, prostitutas e prédios ficavam mais respeitáveis com a idade. É o que está a acontecer comigo…

in JN, 7/09/09
entrevista de João Antunes a John Landis

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

De «O Livro do Misterioso Desconhecido»

Robert Charroux, 1969
Em breve, o post.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

De «Spirit»

Frank Miller, 2008

Todos sabemos que cinema e bd são duas áreas distintas do meio artístico. Também os romances o são e, contudo, são constantemente adaptados ao grande ecrã. No entanto, a banda desenhada possui algo em comum com o Cinema - o cariz visual apenas, a representação do palpável, a luz como criacção de espaços. Tudo isto muito coerente; mas existe algo que a primeira não apresenta e quando a catapultam para as salas de cinema, a tarefa gora-se no ridiculo. O fora de campo, a densidade temporal psicológica, o não-dito, onde transparece na arte dos quadradinhos? Assim quando a transposição resulta na adaptação `literal´ das sagas fica sempre a faltar alguma coisa, pois tal não é possivel. É neste aspecto que pessoalmente digo que aqui Frank Miller fracassa. "The Spirit", o filme, é visualmente apelativo e interessante. Ao efeito visual recorrente em "Sin City" foram acrescentados mais um par deles que `ficam bem´.
Confesso que não conheço os livros, mas o protagonista parece a olhos vistos não fazer juz à personagem, pois não se vê no ecrã o mesmo que no papel. E isso sabe-o Miller.

Agosto de 2009

Da Alquímia

Confesso que não será por acaso que escrevo estas palavras hoje. Encontro-me, de momento, na página cento e cinquenta e dois (em extenso, como nos ensinam na escola) do livro de Pauwels e Bergier, "O Despertar dos Mágicos". Ao mesmo tempo estreou no decorrer desta semana que passou o mais recente filme de Manoel de Oliveira, que ainda não vi. No entanto, isso não me impedirá de escrever sobre ele, o seu autor e os livros que leio - já me aguarda também "O Mago", biografia de Paulo Coelho - já vedes, pois, na onda literária em que me encontro (ou em que sempre me encontrei só que intermitentemente?).
Poderia fazer neste comentário um resumo do que leio de forma a que vocês não necessitassem de fazer o mesmo que eu - queimar pestanas -, mas a mim que me importa, não o vou fazer. A verdade é que me encontro a meio de um percurso que começou na leitura de um artigo na "Única" do JN. Ponto de partida para Pauwels/ Bergier e para um Molinero que ainda não encontrei (terá que ficar para mais tarde). Um percurso que hoje ainda não sei onde terminará. Um percurso que sinto ter começado há uma catrefada de anos, mas que alguns desvios me conduziram a regiões agradáveis durante o dia mas assombradas à noite. Dessas intempéries resta-me um ligeiro pingo no nariz. Tudo o resto é fado.

Não consigo dizer que o cinema de Manoel de Oliveira me fascine. De qualquer forma reconheço o seu inegável contributo e longevidade. A forma como se impõe no tempo (mais do que no espaço, fisico é claro). Que Non tenha o cariz de um diálogo platónico-socrático, que "Vale Abraão" seja a boda de um casamento santo com Agustina, tudo isso é pertinente. Mas o que dele sobressai é o tempo. A insistência e a repetição. O mesmo tempo que o alquimista ocupa na Grande Obra. O tempo que perpétua o Homem através da sua transformação maior pelos elementos. Oliveira com os seus filmes produz energia. Peso e luz. Preparados por elementos puros - obrigado Pauwels.
Talvez o trabalho debruçado sobre o tempo seja o segredo da longevidade, porque se deu essa transformação na alma. Dispensam-se os aceleradores de particulas. Através da maceração do trabalho, na busca incessante das condições favoráveis à contemplação primeira do trabalho-maior, da cleé d´ouevre - sejam elas cósmicas, químicas, minerais, etc. - o Homem despe-se de ornamentos demasiado humanos, diria, e torna-se quase um pouco astral. E a grande virtude dos grandes espiritos é esconderem a sua condição. Manoel de Oliveira pertence, sem dúvida, a um cenário de realismo fantástico. Esse aglomerado de sociedades secretas "às claras". O discurso do cineasta é portanto inatigivel, tal como fora o dos velhos sábios. Ele encobre o não-dito através do que diz, e revela pela superficie, mesmo que encriptadamente, o seu espirito elevado nos filmes que concretiza.
No entanto, a dificuldade em fazer cinema em Portugal é monumental e dadas muitas dores de cotovelo, invejas, etc, surge a desconfiança e diz-se publicamente que ´este merece, aquele não´, ´olha o que aquele fez com o nosso dinheiro´, etc. Mesmo que a comparticipação do ICA seja automática para Oliveira, não restam dúvidas de que ele fez para que assim fosse. Numa máquina oleada desta forma, resta elevar a personalidade de cada um para que vinguemos. Aqui entra Paulo Coelho, comparativamente. Por mais que neguem o seu talento para as letras, ele consegue ao fim de uma data de anos manter-se na crista dos media, com todo o seu misticismo e ocultismo. O cineasta, mesmo pertencendo a uma familia burguesa; mesmo tendo começado como actor remediado, experimentou a depuração do tempo pelas imagens através de uma via autoral e criou o mito. Desta forma colocou-se na ponta da produção artistica no nosso país, apenas porque lhe permitiram tamanha façanha. Trata-se da construcção de uma identidade. Do extravasar de uma máscara.
Mas não estranhem. Não desdenho do senhor.

Maio de 2009

Catapultas Desordenadas

Parte Um

É forte a chama que arde na superfície. O voo só adensará o seu calor alimentando a voragem de destruição que persiste à sua queda. Estas bolas de fogo lançadas por braços gigantes fomentam a maldade no seio dos batalhões.

De «Franklyn»

Talvez exagere, mas "Franklyn" é um bom filme. Vi-o por mero acaso e foi por esse acaso que me surpreendeu. Um filme de aparências. Assemelha-se a ficção científica mas não é; Filme de super-heróis? Talvez em metade. E romance cosmo-psicanalista? Samicas.
Trata-se de um melodrama psicológico bem pensado ficando a dever na composição narrativa. Até meio fintou-me, mas a partir daí correu, num instante, até ao final.
Plásticamente consistente, desmultiplica-se em camadas - e que camadas! - de imagens de realidades paralelas semelhantes, pontualmente, entre si.
No entanto, embora funcionasse como um bom filme de ficção cientifica ou num bom romance melodramático moderno, a contraplanagem entre os dois fica aquém das suas possibilidades. Torna-se confuso, mais do que enigmático, como talvez devesse. Falo pela impressão que me causou tamanha construcção diegética porventura inovadora (sinceramente nunca tinha visto igual), mas ainda um esquisso do que poderia afinal ser.

. Ah! aquele actor, o mesmo que fez de Ian Curtis no "Control", parece ainda não se ter libertado da anterior personagem, mas tudo bem, não incomoda...
A gabardina preta de golas subidas, etc, bom, é o que faz um actor. Com Boggie aconteceu o mesmo, digo eu. São os jeitos.

Maio de 2009

Texto de fundo com função de sacudir a preguiça do corpo e da alma

A densidade atmosférica no cinema moderno-contemporâneo

Foi ao ver recentemente "A cidade das crianças perdidas" de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro que reavivei uma ideia que me acompanha desde há algum tempo, desde que assisti pela primeira vez a "Delicatessen", dos mesmos autores, numa velha cópia VHS emprestada. Essa ideia consiste no pensamento de que nestes filmes, numa primeira instância, predomina a consciencialização de um novo mundo construído nos fundamentos de um apocalipse. Não será estranha a referência a uma reciclagem universal, quer mistica quer material do mundoe de quem o habita. Note-se as ruas acidentadas de crianças perdidas ou as deformações corporais - gigantismo, sotaque erróneo, etc - de One; o canibalismo de "Delicatessen"; a arritemia de Amélie Poulain, entre outros.
Durante algum tempo, quando pensava no filme que havia visto no meu vídeo, na escuridão do meu quarto, muitos anos antes de me ter inscrito na escola de cinema, saltava-me à ideia imagens desfocadas, um nevoeiro granulado, uma sobrexposição que tornava o filme único. No entanto, quando vi Amélie já num moderno leitor de dvd, a ideia que o arcaísmo do aparelho de vídeo influenciara a minha perspectiva desapareceram. Confiando plenamente nas modernas tecnologias de reprodução vi-me então à procura de filmes que me proporcionassem idêntica impressão. Agora já não a diluição da imagem como no primeiro, mas a busca por uma definição e um contraste e gama de cores únicas, mas sempre afastadas do real - um cinema clássico, portanto, deste ponto de vista especifico. Assisti a filmes como "Vidocq", "A companhia dos lobos", etc, mas por mais entusiasmantes que me parececem, e por mais trabalhados que fossem estes aspectos, falhavam na busca pioneira desta conjugação plástica na recriação de ambientes narrativos.
Porque sentimos nos filmes de Jeunet e Caro (pelo menos eu tenho esta noção) que a qualquer momento choverá? Ou porque parece em todos eles que realidades distintas convivem simultaneamente, mesmo sem estar definido pela narrativa?
Poderão achar ridiculo, mas agora que reflicto só encontro o mesmo em certos Fellini ou poucos Tarkovski. Na monumental sequência da vela em "Nostalgia", mesmo que o tanque esteja quase vazio, ao atravessá-lo com a vela na mão, ela enche-se de candura e não se apaga. Mas a humidade está lá, abstrata. E o que dizer da gravidade sentida em "8 1/2"?

Abril de 2009