quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Da Alquímia

Confesso que não será por acaso que escrevo estas palavras hoje. Encontro-me, de momento, na página cento e cinquenta e dois (em extenso, como nos ensinam na escola) do livro de Pauwels e Bergier, "O Despertar dos Mágicos". Ao mesmo tempo estreou no decorrer desta semana que passou o mais recente filme de Manoel de Oliveira, que ainda não vi. No entanto, isso não me impedirá de escrever sobre ele, o seu autor e os livros que leio - já me aguarda também "O Mago", biografia de Paulo Coelho - já vedes, pois, na onda literária em que me encontro (ou em que sempre me encontrei só que intermitentemente?).
Poderia fazer neste comentário um resumo do que leio de forma a que vocês não necessitassem de fazer o mesmo que eu - queimar pestanas -, mas a mim que me importa, não o vou fazer. A verdade é que me encontro a meio de um percurso que começou na leitura de um artigo na "Única" do JN. Ponto de partida para Pauwels/ Bergier e para um Molinero que ainda não encontrei (terá que ficar para mais tarde). Um percurso que hoje ainda não sei onde terminará. Um percurso que sinto ter começado há uma catrefada de anos, mas que alguns desvios me conduziram a regiões agradáveis durante o dia mas assombradas à noite. Dessas intempéries resta-me um ligeiro pingo no nariz. Tudo o resto é fado.

Não consigo dizer que o cinema de Manoel de Oliveira me fascine. De qualquer forma reconheço o seu inegável contributo e longevidade. A forma como se impõe no tempo (mais do que no espaço, fisico é claro). Que Non tenha o cariz de um diálogo platónico-socrático, que "Vale Abraão" seja a boda de um casamento santo com Agustina, tudo isso é pertinente. Mas o que dele sobressai é o tempo. A insistência e a repetição. O mesmo tempo que o alquimista ocupa na Grande Obra. O tempo que perpétua o Homem através da sua transformação maior pelos elementos. Oliveira com os seus filmes produz energia. Peso e luz. Preparados por elementos puros - obrigado Pauwels.
Talvez o trabalho debruçado sobre o tempo seja o segredo da longevidade, porque se deu essa transformação na alma. Dispensam-se os aceleradores de particulas. Através da maceração do trabalho, na busca incessante das condições favoráveis à contemplação primeira do trabalho-maior, da cleé d´ouevre - sejam elas cósmicas, químicas, minerais, etc. - o Homem despe-se de ornamentos demasiado humanos, diria, e torna-se quase um pouco astral. E a grande virtude dos grandes espiritos é esconderem a sua condição. Manoel de Oliveira pertence, sem dúvida, a um cenário de realismo fantástico. Esse aglomerado de sociedades secretas "às claras". O discurso do cineasta é portanto inatigivel, tal como fora o dos velhos sábios. Ele encobre o não-dito através do que diz, e revela pela superficie, mesmo que encriptadamente, o seu espirito elevado nos filmes que concretiza.
No entanto, a dificuldade em fazer cinema em Portugal é monumental e dadas muitas dores de cotovelo, invejas, etc, surge a desconfiança e diz-se publicamente que ´este merece, aquele não´, ´olha o que aquele fez com o nosso dinheiro´, etc. Mesmo que a comparticipação do ICA seja automática para Oliveira, não restam dúvidas de que ele fez para que assim fosse. Numa máquina oleada desta forma, resta elevar a personalidade de cada um para que vinguemos. Aqui entra Paulo Coelho, comparativamente. Por mais que neguem o seu talento para as letras, ele consegue ao fim de uma data de anos manter-se na crista dos media, com todo o seu misticismo e ocultismo. O cineasta, mesmo pertencendo a uma familia burguesa; mesmo tendo começado como actor remediado, experimentou a depuração do tempo pelas imagens através de uma via autoral e criou o mito. Desta forma colocou-se na ponta da produção artistica no nosso país, apenas porque lhe permitiram tamanha façanha. Trata-se da construcção de uma identidade. Do extravasar de uma máscara.
Mas não estranhem. Não desdenho do senhor.

Maio de 2009

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