quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Texto de fundo com função de sacudir a preguiça do corpo e da alma

A densidade atmosférica no cinema moderno-contemporâneo

Foi ao ver recentemente "A cidade das crianças perdidas" de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro que reavivei uma ideia que me acompanha desde há algum tempo, desde que assisti pela primeira vez a "Delicatessen", dos mesmos autores, numa velha cópia VHS emprestada. Essa ideia consiste no pensamento de que nestes filmes, numa primeira instância, predomina a consciencialização de um novo mundo construído nos fundamentos de um apocalipse. Não será estranha a referência a uma reciclagem universal, quer mistica quer material do mundoe de quem o habita. Note-se as ruas acidentadas de crianças perdidas ou as deformações corporais - gigantismo, sotaque erróneo, etc - de One; o canibalismo de "Delicatessen"; a arritemia de Amélie Poulain, entre outros.
Durante algum tempo, quando pensava no filme que havia visto no meu vídeo, na escuridão do meu quarto, muitos anos antes de me ter inscrito na escola de cinema, saltava-me à ideia imagens desfocadas, um nevoeiro granulado, uma sobrexposição que tornava o filme único. No entanto, quando vi Amélie já num moderno leitor de dvd, a ideia que o arcaísmo do aparelho de vídeo influenciara a minha perspectiva desapareceram. Confiando plenamente nas modernas tecnologias de reprodução vi-me então à procura de filmes que me proporcionassem idêntica impressão. Agora já não a diluição da imagem como no primeiro, mas a busca por uma definição e um contraste e gama de cores únicas, mas sempre afastadas do real - um cinema clássico, portanto, deste ponto de vista especifico. Assisti a filmes como "Vidocq", "A companhia dos lobos", etc, mas por mais entusiasmantes que me parececem, e por mais trabalhados que fossem estes aspectos, falhavam na busca pioneira desta conjugação plástica na recriação de ambientes narrativos.
Porque sentimos nos filmes de Jeunet e Caro (pelo menos eu tenho esta noção) que a qualquer momento choverá? Ou porque parece em todos eles que realidades distintas convivem simultaneamente, mesmo sem estar definido pela narrativa?
Poderão achar ridiculo, mas agora que reflicto só encontro o mesmo em certos Fellini ou poucos Tarkovski. Na monumental sequência da vela em "Nostalgia", mesmo que o tanque esteja quase vazio, ao atravessá-lo com a vela na mão, ela enche-se de candura e não se apaga. Mas a humidade está lá, abstrata. E o que dizer da gravidade sentida em "8 1/2"?

Abril de 2009

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